A lembrança mais marcante que o arquiteto Felipe, leitor aqui do site, tem dos seus 10 anos de idade não é o bolo de aniversário, nem algum presente que ganhou na sua festinha.
O que ele não esquece de jeito nenhum é o momento em que o seu pai lhe disse na frente de todos “fale que nem homem, menino”.
O seu pai nem imagina, mas essa memória volta à sua cabeça frequentemente. É só fechar os olhos que o Felipe consegue remontar a cena como se fosse hoje: aquela repressão inesperada, aquele silêncio constrangedor e aquele olhar de julgamento vindo de todos que viraram, imediatamente, na sua direção.
Era para ser só um conselho de pai, mas a frase representou muito mais que 5 palavras jogadas ao acaso…
Mãe é mãe. Mas pais podem ser heróis.
Branco, negro, gordo, magro, católico, protestante, rico, pobre. Não importa quantos fatores sociais, econômicos, culturais ou religiosos mudem entre as pessoas, nós todos temos algo em comum: viemos ao mundo graças a um pai e uma mãe, e o amor deles faz toda a diferença na nossa personalidade.
Desde os primeiros estudos de Freud, e até antes deles, os pais são tidos como os agentes mais importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a conter o que há de “animal” em nós, nos ensinando a controlar desejos em nome de regras morais, castigos e convenções da civilização.
Claro que mãe é mãe. Só que o pai tem uma função particularmente importante nisso tudo.
Embora o nível de igualdade de gênero tenha crescido muito, o papel masculino ainda é supervalorizado e, muitas vezes, representa mais poder. Ele é sinônimo de responsabilidade. É proteção. É o contato com a realidade.
O pai, geralmente, é não somente aquele que manda, mas aquele de quem o filho tem orgulho e com quem quer se parecer.
Assim, se uma criança percebe o pai como alguém de maior prestígio, entende que ela pode ser mais influenciada por ele do que pela mãe. Por isso, uma rejeição paterna acaba tendo um impacto maior.
É como eu sempre falo: um pai pode fazer maravilhas, mas também pode fazer grandes estragos – tanto com sua presença quanto com sua ausência.
E você poderá até me dizer que a figura do pai não é assim tão importante. Que a mãe sempre foi e sempre será muito mais essencial. Entendo o ponto de vista.
As mulheres são tão fortes, tão batalhadoras, tão maravilhosas em tantas áreas, que merecem esse reconhecimento. Quantas levam uma família inteira nos ombros e fazem isso com total maestria? Realmente, são verdadeiros exemplos.
Porém, o fato de alguns homens, tristemente, abdicarem da alegria de educar seus filhos e de fazer parte da vida e do crescimento deles não anula o que poderiam ter contribuído para o desenvolvimento das crianças, futuros adultos.
Concorda?
Quer entender o seu relacionamento amoroso? Entenda antes o paterno.
Se pais são os heróis na vida de qualquer pessoa, para o menino gay eles são verdadeiros super-heróis.
Isso porque a relação de um filho homossexual com o seu progenitor é o seu primeiro e mais importante contato com outro homem. É ali que ele aprende não apenas como deve agir, mas também o quão amado pode ser pela figura masculina.
Se essa interação primária é marcada por medo, distância e hostilidade durante a infância, como acontece com muitos homens homossexuais, isso sem dúvida interferirá na capacidade de formar e manter relacionamentos íntimos no futuro.
Da mesma forma, se o pequeno sente que fracassou em conquistar o “primeiro homem da sua vida”, o caminho para uma vida amorosa bem sucedida fica bem mais difícil, óbvio.
Por isso, caso você esteja tendo dificuldade de vencer no game do amor, sem entender o porquê, pode ser uma boa ideia olhar para a relação com o seu pai na tentativa de buscar respostas.
Como era o seu relacionamento com o seu pai antes de você sair do armário? E depois?
O que você aprendeu sobre autoestima com ele? Ele sente orgulho de você?
Qual valor você acha que tem para outro homem? Será que o tipo de homem pelo qual você sente atração não tem alguma coisa a ver com a personalidade do seu pai?
Por exemplo, alguns homens gays buscam caras fortes e reservados porque seus pais eram assim. Já outros focam nesse perfil exatamente porque é o que queriam que os seus pais fossem.
Outro exemplo são jovens que não tiveram uma figura paterna presente e se atraem por homens mais velhos. Nesses casos, eles buscam satisfazer essa “carência” de pai com o parceiro.
Porém, muito mais que as consequências no tipo físico, é importante analisar as heranças afetivas deixadas pelos pais.
Imagine a confusão mental do menino que entendeu desde cedo que não deveria ser ele mesmo se quisesse receber carinho da sua maior referência do sexo masculino. Que não deveria “desmunhecar”, que era melhor engrossar a voz para disfarçar sua real identidade do pai e, assim, tentar conquistar a sua admiração.
Aprendendo a esconder a vontade de brincar de boneca, essa criança foi ensinada a não ser honesta consigo mesma. E isso pode explicar muito sobre como age hoje em seus relacionamentos.
Nenhum outro tipo de experiência tem um efeito tão forte e consistente sobre o desenvolvimento da personalidade de um homem gay como a da rejeição paterna.
Funciona mais ou menos assim: se meu pai não me aceita, não me ama, não me admira, como outro homem poderá ter todos esses sentimentos por mim?
Então, com medo de correr o risco de passar pela mesma situação dolorosa de rejeição de novo, homens assim têm dificuldade em formar relações seguras e de confiança com possíveis namorados.
Nesses casos, o cara gay não se considera digno de afeto. Isso faz com que pense que o parceiro vai enxergá-lo como ele acredita ser e, por isso, boicota relações promissoras antes mesmo que elas comecem.
Aliás, aqueles que não costumavam receber carinho do pai – pelo contrário, o único contato físico acontecia quando levavam palmadas – tendem a se tornar pessoas com dificuldade de demonstrar afeto através do toque. Não conseguem beijar e abraçar de maneira espontânea e natural, afinal não estão acostumados com tanta afetuosidade.
E não para por aí…
Do conflito entre os desejos “proibidos” e as culpas podem sair traços de personalidade como timidez, vergonha, recalques inconscientes e fraquezas difíceis de lidar.
Segundo a Associação Americana de Psicologia, as memórias de uma relação calorosa com o pai durante a infância estão, também, diretamente relacionadas com a capacidade de enfrentar situações de estresse.
Isso quer dizer que os homens com boa relação com o pai tendem a ser menos impulsivos na forma como reagem aos eventos estressantes do dia a dia – comparados aos que tiveram relações mais pobres.
Como você pode ver, não restam dúvidas de que os pais desempenham um papel fundamental na saúde mental dos filhos.
A pergunta é: será que eles se dão conta disso?
Mais amor, por favor!
Homens, geralmente, têm maior dificuldade em expressar seus sentimentos, só que isso não anula o fato de que o carinho vindo de um pai, ou seja, a sua aceitação e a valorização, pode significar tudo para um filho. Mesmo que nenhum dos dois saiba disso ainda…
Sei que pais de filhos gays não são bem o público do meu site e que, provavelmente, este texto não vai chegar até eles. Mas, se eu pudesse dar um recado para esses homens, seria: amem seus filhos!
Deem o melhor de si, afinal, se vocês não fizerem isso por um filho, por quem farão? Busquem ajuda profissional se for preciso enfrentar preconceitos e falsas verdades. Mas façam!
Não percam nenhuma oportunidade de dar apoio, de dizer o quanto eles são especiais. E, principalmente, morram de orgulho! Sim, preferências sexuais não mudam em nada os laços familiares.
Vibrem cada festinha de aniversário, aplaudam de pé cada conquista – sem julgar se a voz tá mais fina que o normal, ou se o brinquedo preferido é a boneca e não o carrinho. Apenas sintam-se realizados em vê-los sendo quem realmente são.
Gay, hétero, bi, transexual ou assexual… os seus filhos são seus filhos. E isso é tudo que interessa.
Não importa por quem eles são apaixonados, nem com quem eles dividem o outro lado da cama. O que importa é que eles sejam felizes. Só isso.