Atenção: você vai morrer

morrerE os seus pais também. E os seus amigos também. E os amigos dos seus amigos também. E aquele boy magia por quem você é apaixonado também…

Não, eu não estou rogando uma praga. Também não estou desejando a sua morte, nem a daqueles que você ama. Só estou constatando que ela, inevitavelmente, um dia vai acontecer. Para todos.

É a lei da vida. É a certeza incontestável. É o fim de todo começo.

Era um dia cinza – desses que dá até uma deprê de sair de casa. Mas, como para quem é do proletariado não tem tempo ruim, lá fui eu em direção ao batente.

Nossa, como eu odiava. Eu odiava aquele trabalho com todas as minhas forças. Aquilo não era para mim. Aquela não era eu. Começava cada expediente contando as horas para ir embora.

E assim passaram semanas. Meses. Anos…

Até que algo inexplicável naquela manhã sem sol me fez pensar: e se eu morresse amanhã? Era isso mesmo que eu deveria estar fazendo agora?

Sem hesitar, levantei da cadeira decidida a terminar com aquele sofrimento. Chamei a minha chefe numa sala e disse sem rodeios: “isso é um pedido de demissão”.

Se alguém me perguntasse o que estava passando pela minha cabeça naquele momento impulsivo, por que eu tinha acabado de me demitir assim, de maneira tão inconsequente, a minha resposta seria “porque eu vou morrer”.

Nos tempos da faculdade, eu tinha um amigo que, sutilmente, levantava suspeitas. Não, ele não era gay assumido, mas – cá entre nós – tinha todas as ferramentas.

Ele tinha uma namorada. E levava uma vida completamente hétero. Mas, ainda assim, sutilmente, levantava suspeitas.

Depois de alguns trabalhos em grupo, pude conhecê-lo melhor. Descobri, então, que ele vinha de uma cidadezinha do interior, daquelas em que todo mundo cumprimenta todo mundo na rua. Que seus pais eram super religiosos e que uma possível homossexualidade, definitivamente, não seria bem-vinda na família.

Uma noite, bêbados na festa de final de ano da turma, ele me confessou que tinha vontade de beijar outro homem.

Só que daí o efeito do álcool passou e aquela confissão ficou esquecida na clássica frase “não lembro de nada que falei ontem. Mas desconsidera porque eu tava muito bêbado…”

Bom, depois que a faculdade terminou, perdemos o contato. Só falamos cada vez que o Facebook me lembra que é o seu aniversário, e vice-versa.

Hoje acompanho a sua vida pelas redes sociais. Sei que ele casou com a mesma namorada da época. E que teve um filho – uma criança linda, por sinal.

Ele nem imagina, mas frequentemente penso nele.

Fico me perguntando: se a vida é mesmo uma só e se ele é mesmo gay, será que está vivendo ela plenamente?

Mórbida ou realista?

Tem gente que diz que sou mórbida. Talvez.

Verdade ou mentira, o fato é que vivo rodeada de pessoas não-mórbidas, que acham que não vão morrer nunca e levam a vida no piloto automático.

Pessoas que dedicam todos os seus esforços num trabalho que odeiam, para acumular riqueza e garantir uma aposentadoria tranquila. Aposentaria essa que nem sabem se vão estar aqui para aproveitar…

Pessoas que vivem uma vida de aparências, que fazem as suas escolhas baseadas no que a sociedade julga certo, no que os pais esperam, no que vai ser bonito de divulgar na timeline do Facebook…

Pessoas que não deixam nunca o coração falar mais alto, que vão adiando os sonhos para amanhã. Para o mês que vem. Para o ano que vem. Para quando der…

Ufa, você vai morrer

Pare e reflita: tudo fica mais fácil quando pensamos que vamos morrer. Tudo fica mais óbvio. Tudo fica mais leve.

Esse trabalho não me deixa realizado?
Beijos, chefe! Eu vou morrer, não posso perder mais tempo aqui.

Esse boy só me faz sofrer?
Tchau, gato! Eu vou morrer, meu tempo é precioso para gastar com você.

Essa pessoa moldada pela sociedade e pela expectativa de terceiros não sou eu de verdade?
Fodam-se os outros. Eu vou morrer, preciso fazer o que tenho vontade!

Você é um gay que vive dentro do armário?

Quer uma mensagem inspiradora de verdade?

Você vai morrer. Ponto.

Se a vida é mesmo uma só, você está vivendo ela bem?