O impacto da masculinidade tóxica entre homens gays

“Seja homem, menino”
“Homem não chora”
“Homem não brinca de boneca”
“Isso não é coisa de homem”

Quem não escutou frases desse tipo na vida, não é mesmo?

Elas vêm do pai, do avô, da mãe. São ditas no colégio, na televisão, nas rodinhas de amigos. Às vezes aparecem de forma implícita e sutil, outras bem explicita mesmo. Tanto (e tão frequentemente) que, pouco a pouco, as pessoas vão formando a noção de que, para ser homem, deve-se seguir esse manual escroto de “regras”.

Um manual que vai sendo construído e incutido na cabeça de todos nós desde cedo, seja através dos brinquedos, da cor das roupas, das “atividades de meninos e de meninas” e mais um montão de baboseiras que só fazem dar luz a um problema já estrutural: a maldita masculinidade tóxica.

O que é a masculinidade tóxica?

Resumidamente, podemos dizer que “masculinidade tóxica” se refere a todas aquelas características que a sociedade atribui ao sexo masculino de maneira estereotipada.

É o conceito que coloca em todo homem a expectativa de ser forte, durão, intimidador, “comedor”, poderoso, provedor, respeitado… sabe?

Claro que sabe!

Afinal, se você habita o mesmo Planeta Terra que eu, também cresceu rodeado pela ideia de que, para “ter jeito de homem”, é preciso ter voz grossa, ser forte o tempo inteiro, ser uma sex machine na cama e, claro, não se interessar por coisas delicadas. Tudo para não passar vergonha por aí apresentando características tradicionalmente associadas ao feminino, até porque ninguém quer ter fama de baitola, né?

A mídia também tem um papel importante nessa construção. São vários os filmes e novelas que trazem protagonistas homens que se realizam só com o poder, com a conquista de mulheres e com a prática de violência. Também são vários os personagens masculinos solitários, que dão um jeito de resolver seus problemas sozinhos e não expõem suas vulnerabilidades.

Aliás, basta olhar os super-heróis para entender exatamente do que estamos falando: homem aranha, super homem, batman, hulk…. todos eles representam uma imagem completamente distante da realidade, mas que, desgraçadamente, funciona como modelo a ser seguido pelos garotos das novas gerações.

Tá entendendo o drama, né?

Pois é assim que o conceito do tal “jeito de homem” vai se formando, e fodendo completamente com a cabeça dos mais jovens.

Esses meninos crescem acreditando que o ideal masculino é aquele que não fala sobre o que sente, que parte para a violência na hora de resolver seus conflitos e que se distancia de tudo aquilo que é “sensível”.

O resultado?

Um adulto competitivo, com necessidade de dominar sempre as situações e com propensão a desenvolver atitudes agressivas. 

Existe “jeito de homem”?

Não vou ter filho homem (fui presenteada com duas menininhas de uma só vez, e um terceiro não está nos planos). Mas, se tivesse, meu filho seria incentivado a brincar de boneca, sim. Seria incentivado a me ajudar na cozinha, a varrer a casa, a recolher o lixo. Seria incentivado a chorar, a mostrar vulnerabilidade e a botar para fora tudo que está incomodando.

Eu seria a primeira a validar os sentimentos dele e dizer: “tá tudo bem ficar triste por isso, meu filho. Como eu posso te ajudar?”. Deixaria ele cair e levantar quantas vezes fossem necessárias para ver que não é fraqueza nenhuma levar um tombo. Errar. Perder. Passar vergonha.

Ele aprenderia desde os primeiros anos que bonito mesmo é valorizar as mulheres e o feminino, que forte é mesmo é pedir ajuda, é falar abertamente do que machuca.

E entenderia que o tal “jeito de homem” é ser do jeito que ele bem quiser.

Sem regras. Sem manuais. Sem imposições.

Afinal, cadê a vantagem de perpetuar ensinamentos tão retrógrados?

É ruim para os homens héteros. É ruim para as mulheres. E é um inferno para os gays.

Sabe o que é o mais louco?

Que ninguém se beneficia da masculinidade tóxica. Absolutamente todos saem perdendo.

Exatamente.

Se você pensa que essa cultura de culto ao “macho” e ao masculino é vantajosa para o homem, não poderia estar mais enganado…

Afinal, os homens sofrem os efeitos nocivos de forma dupla: tanto podem apresentar comportamentos violentos para corresponder a esse ideal, como podem se sentir inferiores e rejeitados quando não apresentam os tais traços valorizados.

Inclusive, pela impossibilidade de demonstrar fraqueza e vulnerabilidade, os homens são muito menos propensos do que as mulheres a procurar tratamento de saúde mental.  Não é à toa que os homens se suicidam 4 vezes mais do que as mulheres no Brasil, de acordo com o Mapa da Violência Flacso Brasil. Eles também procuram menos os serviços de saúde geral e são mais propensos a terem comportamentos de risco.

Já as mulheres, obviamente, sofrem com as consequências dos atos violentos e agressivos vindos dos homens. Além de, claro, serem desvalorizadas dentro dessa linha de pensamento, reforçando o machismo e a misoginia.

E como ficam os homens gays?

Afinal, este artigo é sobre eles, né?

Tendo em vista toda essa merda generalizada, os homens gays se deparam com um conflito ainda maior: como lidar com a própria masculinidade não sendo hétero?

Enquanto alguns optam por ligar o foda-se para as imposições sociais (e sofrer as consequências disso), uma outra parte acaba, às vezes sem nem perceber, incorporando as mesmas “normas” heteronormativas. Seja no jeito de falar, de agir, de se vestir e, inclusive, nas próprias escolhas amorosas.

Isso mesmo!

Não é coincidência que, dentro da comunidade, o homem gay com comportamentos “masculinos” tende a ser mais desejado e procurado, enquanto os afeminados sofrem maior rejeição e preconceito, né?

É aquela velha história do “não precisa ser afeminado…”

Sabe o que isso significa, em outras palavras?

Que ser mulher não é bom.

Isso explica, também, por que o passivo geralmente é alvo de mais piadas e preconceitos do que o ativo. Afinal, se ele dá o brioco é dominado, logo é menos homem que o ativo, ou seja, é a “mulherzinha” da relação.

Afeminados são marcados como “mulheres”. E ninguém quer ser mulher…

Por isso mesmo que muitos caras já escrevem, com o maior orgulho desta vida, no perfil: “Nada contra afeminados, só não curto. Questão de gosto”.

Questão de gosto, pode até ser. Mas pautada pelo machismo, pela reprodução de um comportamento que despreza o que remete ao feminino e que exalta sempre o macho.

Concorda?

Leia também:
[Ele não curte os afeminados. Isso é gosto ou preconceito?]

E não me entenda mal…

Eu tô falando tudo isso aqui, mas sei que estou longe ser “evoluída”.

Sei que tenho muito a aprender e mudar nessa batalha diária chamada vida. Sei, também, que, de uma forma ou outra, por vezes reproduzo traços típicos da masculinidade tóxica e do machismo, sem nem me dar conta.

Seria muita prepotência e ingenuidade minhas acreditar no contrário. Afinal, a masculinidade tóxica é um problema estrutural, presente até nos mais “desconstruidões”.  

Mas a diferença é exatamente esta, eu sei.

Estou atenta, monitorando meus pensamentos e atitudes. E, se estou escrevendo este texto agora, é para tentar levar comigo no caminho o maior número de pessoas possível, homem ou mulher. Assim, quem sabe, podemos todos sair ganhando, né?