O gay “padrão” e a crise de autoestima entre homens gays

Você é feio demais para ser gay

Foi o que o Jakeb Arturio Bradea ouviu de um homem em um bar gay em Huddersfield, na Inglaterra.

Não era a primeira vez que ele escutava um comentário do tipo. Na verdade, foram várias vezes.

Tantas que, para se sentir aceito e atraente no meio LGBT, o inglês recorreu ao uso intenso de anabolizantes sem acompanhamento médico.

Resultado?

Aumentou a massa muscular, é verdade. Mas também teve problemas SÉRIOS de saúde, sendo o pior deles uma insuficiência cardíaca que, por muito pouco, não causou a sua morte.

Recentemente, o caso de Bradea ganhou repercussão internacional e levantou uma preocupação bem atual:

A busca pelo corpo perfeito está levando muitos homens gays a adoecerem. Física e mentalmente.

Por que os homens gays estão tão infelizes com a própria aparência?

Vamos falar sério:

Ninguém é totalmente satisfeito com o próprio corpo. Até o mais atlético gostaria, no fundo, de mudar uma coisinha ou outra.

Nada mais compreensível, afinal estamos com nossos corpos durante todos os minutos da nossa vida. Temos bastante tempo para pensá-lo, senti-lo e avaliá-lo.

Sem falar que numa, sociedade que valoriza cada vez mais a imagem e o visual, faz todo sentido que essas insatisfações apareçam.

Sim. As redes sociais e os apps de relacionamento têm contribuído (e MUITO) para essa sensação de inadequação.

Não é para menos…

Basta um rápido deslizar no feed do instagram para você encontrar algum biscoiteiro sem camisa ostentando o abdômen. Tudo feito em poses milimetricamente planejadas para destacar a boa forma e o pacote saliente, claro.

E o que dizer dos filtros de seleção nos perfis Grindr? Que já deixam claro nas descrições que não há conversa com quem seja gordo, peludo, afeminado ou que não esteja dentro de uma faixa de idade determinada?

Daí você olha os panfletos ou posts de divulgação de festas gays e o que encontra? Homens descamisados, altos e sarados.

Vai dar aquela conferida no YouTube e se depara com perfis “famosos” de casais gays – todos lindos, definidos e bronzeados, evidente.

Chega no posto 9 na praia de Ipanema, point LGBT no Rio de Janeiro, e tem a sensação de que os gays lá foram clonados. Todos têm o mesmo corpo, o mesmo corte de cabelo e usam o mesmo tipo de sunga.

Pois é…

Assim como acontece entre as mulheres, acho que é inegável que existe um modelo de beleza cobiçado pela grande maioria dos gays, não é mesmo?

Quem é o gay padrão?

“Padrãozinho” é o termo que a comunidade LGBT usa para se referir aos homens que estão dentro desse padrão de beleza valorizado pela sociedade e pela mídia.

Isso geralmente é associado ao gay jovem, branco, sarado, discreto, bem vestido e de classe média/alta.

Aquele perfil que estampa anúncios de baladas, propagandas de cueca e que as divas pops colocam nos clipes. Sabe qual é?

Claro que sabe.

É a imagem que vem à cabeça da grande maioria das pessoas quando se fala em gay.

Não é coincidência que muitos homens gays queiram se encaixar nesse estereótipo, afinal o “padrãozinho” parece ser o homossexual mais aceito socialmente.

Conclusão?

Um número enorme de homens gays lidando diariamente com crises bizarras de autoestima e aceitação exatamente por não estarem dentro do “padrão”.

“Você fica com essa ideia na cabeça que, se você é gay, tem de parecer um modelo da Calvin Klein”

Problemas com a imagem corporal afetam milhões de pessoas de todos os tipos, é verdade. Mas, dentro da comunidade gay, essa realidade tende a ser ainda maior.

De acordo com estudo do International Journal of Eating Disorders (Jornal Internacional de Transtornos Alimentares), homens homossexuais e bissexuais têm três vezes mais chances de ter problemas com sua imagem corporal que homens cis heterossexuais.

Eu disse TRÊS VEZES.

E mais:

Homens gays apresentam mais sintomas depressivos, crises de ansiedade e sensação de rejeição e isolamento.

A explicação é fácil:

Infelizmente, muitos acreditam que, se não forem sarados, não serão amados, não terão um relacionamento e ninguém vai querer transar com eles.

Sim. A mensagem implícita é: tenha um corpo musculoso, ou você não vai transar, beijar na boca, nem ser visto na balada…

Como se esse “corpo perfeito “garantisse amor e aceitação.

Daí pense só:

Por já terem sido excluídos de tanta coisa, muitos homens gays não querem sofrer mais essa exclusão. Mais essa rejeição.  

Então, o que fazem?

Ou embarcam em dietas e treinos malucos, tornando a academia quase uma obsessão. Ou se isolam, deixando de lado a vida amorosa.

E que fique claro:

Não tô dizendo aqui que todo cara que se preocupa com a aparência é problemático. Claro que não!

Mas aquele que faz dela um pré-requisito para ser feliz, esse sim.

via @gayfatfriend

Você não é um gay padrão?

Sem problemas!

Pode parecer que não, mas no arco-íris da diversidade tem espaço para todx.

Ah mas eu não vou arranjar nunca um boy…

E por que não?

Pense comigo:

Se o que você quer é alguém que esteja buscando algo diferenciado, mais profundo e menos superficial, decida que esses são seus critérios.

E pare de se preocupar com o que ELES (caras que só ligam para aparência) querem. Com o que ELES valorizam.

Porque ELES não são o seu foco! E vocês não são compatíveis.

Simples assim.

Aprenda a filtrar boys que estejam de acordo com os seus objetivos.

Ah mas eu acho que ninguém vai se interessar por mim…

Sério mesmo?

Sério que você vai deixar que umas medidas a mais na camisa (e talvez a menos na cueca) te definam? Sério que esses quilos a mais invalidam todo o resto?

Cadê as suas várias qualidades pelas quais os boys, certamente, se interessariam?

Estou certa de que elas existem.

Afinal, você é muito mais do que a sua forma física. Muito mais do que a sua idade. Seu tom de pele. Sua conta bancária. Sua tonalidade da voz.

Se existe uma beleza que você deve buscar incansavelmente, é a beleza interior. É ela que vai fazer a diferença na hora de conquistar os seus objetivos de vida, sejam eles quais forem.

Ah mas eu queria ser mais magro…

Caso ter um corpo sarado seja mesmo um objetivo para você, ótimo! Não há nada de errado em querer melhorar a forma física.

Defina como prioridade na sua rotina e lute por isso.

Contando, claro, que essa não seja uma necessidade de validação, mascarada na explicação de busca de melhor saúde e qualidade de vida…

Até porque, olhe bem na frente do espelho:

Bumbum duro, ombros largos e barriguinha trincada?

Isso até é bonito, mas não dura por muito tempo.

O “sixpack” de hoje, amanhã será pelanca. Já pensou nisso?

Então, se preocupe mais com aquela beleza que vai te acompanhar para o resto da vida.

Lembre-se: depois de certa idade, o que fica mesmo é o que está do lado de dentro.

Por falar nisso…

Se o mundo fosse cego, quantas pessoas você impressionaria?

Já se perguntou uma coisa?

Se ninguém pudesse ver o seu corpo sarado. Os seus dentes maravilhosamente brancos. O seu pacote bem preenchido. A sua assinatura de email. O seu carro do ano na garagem. O seu perfil no instagram cheio de fotos produzidas…

Se nada disso fosse visível aos olhos, quantas pessoas você impressionaria de verdade?

Quantas pessoas pensariam: “nossa, que homem incrível”.

Quantas te admirariam? Te considerariam diferenciado? Te teriam como referência? Te queriam ter por perto?

Aparência física, piroca grande e status pode ser lindo. Claro que sim.

Mas, com o tempo, você se dá conta de que a verdadeira beleza não é aquela que se enxerga…

… é a que SE SENTE!

Se os seus princípios, ideias, valores, propósito e autenticidade impressionam… E, se você é capaz de provocar boas emoções nas outras pessoas, então já não importa muito o que está do lado de fora.

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